domingo, 28 de dezembro de 2014

Crítica - Ninfomaníaca: Parte 1 e Parte 2 (2013)

TítuloNinfomaníaca: Parte 1 / Ninfomaníaca: Parte 2 ("Nymphomaniac: Vol. I" / "Nymphomaniac: Vol. II", Alemanha / Bélgica / Dinamarca / França / Reino Unido, 2013)
Diretor: Lars von Trier
Atores principais: Charlotte Gainsbourg, Stellan Skarsgård, Stacy Martin, Shia LaBeouf

Sendo de Lars von Trier, filme é mais comportado e superficial do que o esperado

Quando Lars von Trier falou sobre Ninfomaníaca pela primeira vez, se gabava de que iria fazer uma espécie de filme pornô pesado, repleto de cenas de sexo de verdade, sem amenizar nada. Talvez ele estivesse apenas brincando, ou talvez sua idéia original fosse esta mesmo. Vindo de quem veio, ambas as possibilidades podem ter sido a verdadeira.

O fato é que com o passar do tempo seu discurso sobre o filme foi ficando mais ameno. Porém, se em suas declarações von Trier dava pistas de um filme mais light, a promoção do filme ia no sentido contrário: por exemplo, cerca de 15 de seus atores posaram nus em cartazes de divulgação.

Dividido em dois filmes, Ninfomaníaca não faz sentido separadamente, é uma única história. Ao término da Parte 1 temos uma abrupta interrupção do que está sendo contado. É exatamente o mesmo caso de Kill Bill Vol. 1 e Vol. 2. A justificativa para a quebra de ambos é que seria inviável lançar nos cinemas um único só filme de 4 horas. Pode ser isto mesmo. Ou também pode ser a vontade de dobrar a arrecadação. Deixo a conclusão para você, leitor.

O resultado final é que os filmes Ninfomaníaca Parte 1 e Parte 2 realmente entregam bastante nudez e cenas de sexo. Bastante mesmo! Porém sendo de Lars von Trier, é feito de uma maneira mais "comportada" que o esperado. As cenas de sexo são filmadas a uma certa distância, muito dificilmente em close. Para os raros closes, a produtora Louise Vesth jura que foram utilizadas próteses, e não os órgãos genitais reais. Por falar em real, o sexo mostrado é real sim, porém realizado com atores pornô: o rosto dos atores hollywoodianos do filme foram acrescentados digitalmente em cima do rosto dos "dublês". Os efeitos especiais são bem feitos, e portanto, não se consegue distinguir o digital do real.

A história começa com a protagonista Joe (Charlotte Gainsbourg) desacordada, jogada na rua. Suja, surrada, ela é encontrada por Seligman (Stellan Skarsgård), que comovido com a situação deplorável de Joe, resolve acolhe-la em sua casa, para que ela possa se limpar e se tratar. É então que Joe resolve contar sua longa história, de como ela chegou naquele estado.

Sendo uma espécie de Sherazade moderna (a dos contos de As Mil e Uma Noites, não a do SBT), Joe confessa ser uma ninfomaníaca, e segundo ela mesmo, um ser humano terrível que não é digna nem de pena. Seus "causos" começam pela adolescência - onde sua versão jovem é interpretada com maestria por Stacy Martin - e terminam literalmente na noite onde foi encontrada por Seligman.

É curioso constatar que a estrutura de Ninfomaníaca parece caminhar para o padrão de enredo dos filmes de viciados: primeiro, os prazeres do vício, depois, as consequências físicas e psicológicas do mesmo, então o arrependimento e o tratamento. Mas não é bem isto o que ocorre. Em sua narrativa, Joe pouco demonstra ter tido realmente prazer com o sexo. Ao mesmo tempo, ela não busca uma cura, nem se importa com seus próprios problemas. Seu único arrependimento é o impacto negativo que sua vida teve na vida de outras pessoas.

Ninfomaníaca poderia focar no sofrimento de Joe. Poderia também focar no preconceito que as mulheres viciadas em sexo sofrem (para a sociedade, é algo muito mais condenável do que se o viciado fosse um homem). Porém, acaba trazendo estes assuntos de maneira superficial. Joe aparenta ser uma personagem pouco emotiva, e esta sobriedade se reflete no filme de uma maneira um pouco ruim, trazendo uma história que - embora bem interessante - acaba sendo exageradamente descritiva e dá pouca margem a debates.

Em termos técnicos, Ninfomaníaca é bem realizado. Boa fotografia, bastante diversificação de cenas e localidades, a idade e os sentimentos de Joe são acompanhados pelas cores em que o filme é rodado.

Charlotte Gainsbourg e Stacy Martin - ambas como a personagem Joe - atuam muito bem, principalmente a última. O filme ainda conta com vários atores famosos, como por exemplo: Shia LaBeouf, Christian Slater, Uma Thurman e Willem Dafoe. Todos também atuam bem, somam ao filme com suas atuações, mas ao mesmo tempo, não trazem nenhuma performance realmente marcante.

Mesmo sendo uma história bem melancólica, sem nenhum alívio cômico, Ninfomaníaca é dinâmico o suficiente para prender a atenção do expectador. O fato das histórias contadas por Joe serem bastante variadas, somado ao fato de ficarmos curiosos para ver "o que acontece depois", não deixam o filme enfadonho em nenhum momento, apesar da duração.

O final de Ninfomaníaca reserva uma pequena surpresa, que aliás, ainda hoje não consigo julgá-la como algo inverossímil ou não. Mas mesmo sem conseguir chegar a uma conclusão, confesso que o final não me agradou. Para não dar spoiler, digo o que exatamente não gostei no "PS" ao final do texto.

Mais comportado e sóbrio do que o imaginado, dando pouca margem a discussões sobre a imagem da mulher em nossa sociedade, ao menos Ninfomaníaca é uma história interessante e variada. Repleto de cenas de sexo, o filme é sem dúvida um filme adulto, porém, nada erótico e 100% drama. O polêmico Lars von Trier foi um pouco mais comportado desta vez. Existe uma versão "sem cortes" com 1h 30min de cenas extras e que foi exibida em alguns festivais. Sem a pressão comercial, talvez só nesta versão resida a visão "transgressora" que von Trier prometera inicialmente.

Versões a parte, eu gostei de Ninfomaníaca, porém a história poderia ser encurtada em um único filme de 3h e o resultado final seria provavelmente o mesmo. Nota: 7,0.


PS: (leiam isto apenas após assistir o filme, já que é um pequeno spoiler sobre o final). O que me desagradou na conclusão de Ninfomaníaca foi: entre trazer redenção aos personagens de Joe e Seligman e chocar o público, o diretor ter optado pela segunda opção. Talvez pela emoção, eu preferiria a opção 1.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Crítica Netflix - I Am Mother (2019)

Título :  I Am Mother (idem, Austrália, 2019) Diretor : Grant Sputore Atores principais :  Clara Rugaard, Hilary Swank, Luke Hawker, R...